James N. Green é Professor de História e Cultura Brasileira na Universidade Brown. Ele é autor dos livros premiados Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX (Editora de UNESP, 2000) e Apesar de vocês: Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985 (Companhia das Letras, 2009) entre muitas outras publicações e ensaios. Green é o ex-diretor do Centro para Estudos da América Latina e Caribe na Universidade Brown e atualmente está afiliado com o Watson Institute para Estudos Internacionais. Sua pesquisa foca na história de gênero e sexualidade no Brasil e a ditadura militar (1964-1985). No momento está escrevendo uma biografia de Herbert Daniel, um estudante de medicina que tornou guerrilheiro nos anos 60, exilados nos anos 70, e depois um ativista contra AIDS. Green é membro da Comissão de Estudos Avançados de Memórias Reveveladas, projeto do Arquivo Nacional do Brasil e é um assessor para a Comissão Nacional da Verdade que está investigando violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar.
Na entrevista abaixo, ele conversa sobre o projeto no Arquivo Nacional dos Estados Unidos e o papel deste projeto no contexto de pesquisa histórica.
Como originou a idéia deste projeto?
Quando estava pesquisando para meu livro Apesar de vocês: Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985 no Arquivo Nacional dos Estados Unidos em College Park, Maryland, encontrei muitos documentos sobre a relação Brasil-EUA que me interessavam mas que não estavam diretamente relacionados com meu tema. Mesmo assim, continuei fazendo cópias pois me fascinavam tanto. Vários dos meus alunos na Universidade Brown usaram esses documentos em trabalhos sobre a ditadura e comecei a pensar na necessidade de ter todo este material disponível online para pesquisadores aqui e no Brasil. Originalmente eu fiz uma proposta para uma pequena bolsa de pesquisa com intuito de trabalhar num projeto piloto com dois alunos da Brown em Washington DC de junho para agosto escaneando e organizando documentos. Só depois disso é que iríamos tentar arrecadar financiamento para um projeto bem mais ambicioso.
Como o projeto evoluiu desde sua concepção?
Depois que fiz a proposta para receber financiamento, contatei Sidnei Munhoz na Universidade Estadual de Maringá. Ele tinha me pedido para contribuir um artigo para um livro que ele estava organizando sobre as relações Brasil-EUA durante a Guerra Fria. Ele também serve em num sub-comitê do Memórias Reveladas, projeto do Arquivo Nacional do Brasil, cuja missão é identificar acervos fora do Brasil relacionados com o período da ditadura. Eu sabia que ele já estava adquirindo microfilmes de documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos produzidos antes do período militar e disponibilizando-os no site de sua universidade. Eu queria compartilhar com ele minha idéia para o projeto. Ele me perguntou quanto iria custar para completar o projeto e eu falei um número qualquer e ele imediatamente prometeu arrecadar esse dinheiro da universidade. Daí eu fiz uma proposta para a Brown contribuir metade do investimento oferecido pela UEM. Subsequentemente recebi financiamento do Office of International Affairs e do reitor da faculdade para custear a participação de seis alunos da Brown.
Como o projeto continuará a expandir e progredir?
Com uma carta do Arquivo Nacional do Brasil contatamos o Arquivo Nacional dos Estados Unidos e eles felizmente concluíram que o projeto merecia apoio e colaboração oficial. Nossa meta é escanear e indexar tantos documentos quanto possível nesta primeira fase e depois arrecadar fundos adicionais para completar a segunda fase do projeto em 2014. Este também será um momento importante para a nossa colaboração com a Comissão Nacional da Verdade porque eles estarão escrevendo seu relatório final para entregar em dezembro de 2014.
Quem usará os documentos do Departamento de Estado escaneados e indexados neste projeto?
Pode parecer exagero, mas antevejo milhares de alunos brasileiros acessando o site da UEM ou da Brown na próxima década para efetuar pesquisas sobre o período da ditadura militar no Brasil. Este é um assunto que gerações mais novas estão ansiosas para entender melhor e há também um interesse especial na relação Brasil-EUA. Além do mais, espero que dezenas de pesquisadores nos Estados Unidos e outros países também acessarão o material pois vai ser um espelho completo do acervo verdadeiro. Assim pessoas poderão fazer pesquisas sistemáticas sem precisar ir até College Park, Maryland.
Qual o aspecto desse projeto mais interessante para você pessoalmente e num contexto mais amplo?
Quando tivemos uma reunião com funcionários do National Archive and Records Administration (NARA) percebi que havíamos proposto um novo modelo de colaboração entre universidades, acadêmicos, alunos, e arquivos. Estamos providenciando um serviço importantíssimo para a preservação de documentos e uma grande expansão de acesso a este material. Significa que muito mais brasileiros terão acesso aos documentos produzido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos que facilitará o entendimento das complexas relações entre os dois países.
Ao mesmo tempo, o nosso trabalho com a Comissão Nacional de Verdade é extremamente importante para mim. Tenho amigos que foram presos e torturados durante o regime militar. Uma das missões da Comissão Nacional da Verdade é buscar informações sobre o paradeiro dos que foram mortos ou desapareceram. A Comissão também foi encarregado de esclarecer várias outras questões importantes. Espero que a nossa pesquisa nos Estados Unidos, juntamente com os esforços de muitos outros, venha a contribuir para uma compreensão muito mais abrangente do processo que levou a 21 anos de regime autoritário, bem como as razões pelas quais o regime permaneceu no poder por duas décadas.